Iniciação à História da Astrologia e Herança Cultural
Sabia que a tradição astrológica nos foi legada por civilizações ancestrais, como a Suméria e a Egípcia? Até ao período Helénico na Alexandria, somente se levava em consideração as Constelações Celestes e o Zodíaco não era praticamente utilizado ou era desconhecido! Os astros: planetas e estrelas eram vistos essencialmente na sua relação com o horizonte e o meridiano do lugar. Nessa fase, os aspectos mundanos ou geométricos entre dois astros eram conhecidos por Parans - dois ou mais astros sincronizam-se nos quatro pontos do horizonte: nascer, ocaso, culminação superior e culminação inferior. Ao todo há quatro possibilidades entre estrelas e planetas de convergirem no horizonte local, um fenómeno de simultaneidade. Em Alexandria deu-se a fusão dos saberes herméticos e tradicionais no final da Era de Carneiro séc. IV A.C até ao século II D.C, neste período as Constelações correspondem aos Signos de uma forma desproporcional, e o Ponto Vernal alinha-se com as primeiras estrelas da Constelação do Carneiro. A partir de então é que se começa a utilizar o céu dividido em 12 fatias homogéneas - o Zodíaco Tropical que corresponde à divisão do círculo e do movimento de translação da Terra em partes iguais. Esta passagem que aconteceu na Grécia antiga das Constelações para um Zodíaco Tropical teve a contribuição de geómetras e filósofos que valorizavam essencialmente a harmonia, a proporção e a simetria. Assim não é de estranhar que astrónomos e astrólogos gregos escolhessem das treze constelações equatoriais, (Ophiucus a 13ª constelação já era sobejamente conhecida pelos antigos), somente doze para corresponderem com os signos e a estrutura harmónica dos quatro elementos neles presentes. “Ptolomeu - O grande mérito de Ptolomeu foi, baseando-se no sistema de mundo de Aristóteles, fazer um sistema geométrico-numérico, de acordo com as tabelas de observações babilônicas, para descrever os movimentos do céu.” Wikipédia A Grécia foi não só o berço da filosofia e do pensamento ocidental, como também sistematizou e acrescentou ao saber tradicional da astrologia, o conhecimento da utilização dos números, da matemática e da geometria. Figuras como Eratóstenes (na trigonometria) e Euclides (na geometria) foram essenciais para o desenvolvimento do sistema astronómico-astrológico helénico. Para além das obras do Almagesto e o Tetrabiblos de Ptolomeu, também Hiparco de Rodes nos deixou textos sobre o fenómeno da Precessão dos Equinócios! Naquela época Aristarco de Samos defendeu o movimento de rotação da terra e o heliocentrismo e que mais poderíamos saber se o grande legado da biblioteca de Alexandria não tivesse ardido! Com as conquistas da Grécia no século II A.C e Egipto em 30 A.C por Roma, e mais tarde com o episódio do incêndio da Biblioteca de Alexandria no século III D.C, agravado pelo crescente fanatismo religioso, o que restava dos saberes antigos ou tradicionais foram levados por árabes e judeus que na sua diáspora alcançaram a India e a Pérsia. Posteriormente estes saberes foram trazidos para a península Ibérica, nomeadamente para a região de Andaluzia. O desenvolvimento peninsular teve muito a ganhar culturalmente com a fusão dos conhecimentos islâmicos-judaicos com os cristãos. No campo da filosofia destacaram-se figuras como Avicena, Averróis e Maimónides, nos saberes herméticos houve polos culturais que sobressaíram na Península tais como Salamanca, Saragoça e Toledo. Afonso X – o Sábio, século XIII, avô de Dom Dinis, incrementa o estudo da astrologia e da astronomia reunindo uma corte de sábios em Toledo, é nesta época que são publicadas as famosas Tábuas Afonsinas. “A famosa escola de tradutores de Toledo juntou um grupo de estudiosos cristãos, judeus e muçulmanos. Foi principalmente nesta que se realizou o importantíssimo trabalho de traduzir para as línguas ocidentais os textos da antiguidade clássica”. Wikipédia O seu neto D. Dinis seguindo o exemplo do avô, deu proteção à Ordem do Templo transformando-a em Ordem de Cristo, foi um fiel do Amor, um Trovador e um amante das artes e das letras. “Culto e curioso das letras e das ciências terá impulsionado a tradução de muitas e importantes obras para português, entre as quais se contam os tratados de seu avô Afonso X, o Sábio. Desta forma, a sua Corte foi um dos maiores centros literários da Península Ibérica”.Wikipédia As primeiras referências e os primeiros trechos de astrologia aparecem na 2ª dinastia em Fernão Lopes e em Gomes Eanes de Zurara quando este fala e descreve o mapa do Infante D. Henrique na sua crónica da Guiné. Há que salientar também os trabalhos do célebre astrólogo, cosmógrafo e astrónomo Abraham Zacuto oriundo de Salamanca que ficou ao serviço do rei D. João II após a expulsão dos Judeus do Reino de Castela. A maior obra astronómica publicada no século XV são as Tabelas de Zacuto - Almanach Perpetuum juntamente com as tabelas de Regiomontanus. A importância deste saber foi tão grande que chegou a haver uma cadeira de astrologia na Universidade de Lisboa lecionada por Tomás Torres no reinado de D. Manuel I Para os interessados, fica aqui a alusão de que Camões e Gil Vicente se interessaram por astrologia fazendo dela algumas referências nas suas obras. Este saber tradicional era tão utilizado entre o século XV e XVII que chamou a atenção de homens de ciência como Pedro Nunes, Copérnico, Tycho Brahe, Kepler, e Newton! Há referências em certos autores que Copérnico para sobreviver fazia e interpretava horóscopos natalícios! Passo a citar alguns excertos do autor Mário Sá “O horóscopo do rei D. Sebastião apresentado pelo astrólogo Lavanha no código manuscrito " Relação de coisas que sucederam no tempo de el-rei D. Sebastião dá por dispositor o Sol e por Almutem- Saturno”. Nº 887 F.G. Biblioteca Nacional. “A astrologia era vista por verdadeira ciência… Os mesmos argumentos que serviam à defesa do livre alvedrio - ou livre arbítrio - em relação à Providência Divina, Causa Primeira, se aplicavam em relação às predestinações astrais, ou Causas Segundas. "Summa Theológica" de S. Tomaz de Aquino. Daí, que tanto a Igreja e o Estado admitiam e usavam a " Profética ciência". Em 1577 o Papa mandou a El-Rei (Dom Sebastião) um vaticínio feito pelo mais célebre astrólogo do seu tempo Hércules Bellemene Revore, em que estava escrita a sua perdição, morte e cativeiro e dos que o acompanhavam”. (In Memórias Astrológicas de Luiz de Camões por Mário Sá – Edições do Templo). A partir do Século XVII desenvolvem-se os conceitos de ciência e filosofia moderna, é o despontar do racionalismo com Descartes, dos passos iniciais do empirismo com Francis Bacon e o afastamento progressivo do Renascimento e dos Estudos Clássicos. Nas ideologias é também o período das guerras religiosas na Europa e do abuso do poder inquisitivo. No século XVIII com o Iluminismo – a razão iluminada, os movimentos religiosos são abolidos e os saberes tradicionais passam a ser vistos e tratados como crenças e superstições, concepção que ainda prevalece nos sistemas dominantes até aos dias de hoje. Assim, o uso e a utilização desta técnica foi decaindo e progressivamente abandonada, pelos homens detentores de conhecimento. Foi preciso, aguardamos pelo final do século XIX para vermos o ressurgimento do Inconsciente colectivo através da Psicologia, da Teosofia, dos movimentos ocultistas e esotéricos, de correntes como a New Age, ou os designados movimentos alternativos, para que a astrologia voltasse a ser dignificada como real herdeira dos grandes arquétipos e imagens primordiais presentes ao longo da nossa cultura ancestral. No entanto, e como a nossa memória é por vezes curta e pouco esclarecida, identificamos a astrologia com os horóscopos de jornais e das revistas, um hábito que começou nos media parisienses no início do século XX e que tem continuado a denegrir a imagem deste saber nas últimas décadas! Há pois que voltar a honrar o que de há de mais nobre neste saber que tem norteado o homem ao longo dos tempos na sua busca de conhecimento, identidade e sentido para a vida. Procurar reduzi-la a uma mera banalidade e crendice, é não perceber o que há nela de essencial, é não entender a razão por que Einstein e Carl Jung a respeitaram e o motivo que levou Fernando Pessoa a utilizá-la ao ponto destacá-la nos seus estudos, criando um sub-heterónimo Rafael Baldaya que tinha em mente escrever um tratado e um manual desta insígnia disciplina. Fernando Pessoa, poeta e um dos maiores pensadores e esoteristas do seu tempo, passou-lhe na mente a ideia de se tornar astrólogo a tempo inteiro, ou seja passar de contabilista e correspondente internacional a astrólogo profissional! Vale dizer que na sua época foi pouco compreendido, e mais a mais, a astrologia era vista como algo desprestigiante em termos sociais e culturais no seu tempo, como o é ainda hoje! Só que atualmente o número de estudiosos e praticantes tem aumentado exponencialmente, a par de inúmeras publicações no século XX com um nível cultural mais elevado nomeadamente nos USA, Inglaterra, França, Alemanha… acrescentando ainda o tratamento académico que se tem desenvolvido nas duas últimas décadas em diversos países e universidades vizinhas como é o caso de Espanha. Assim sendo, não há como pendurá-la mais, como se ainda se tratasse d’ um esqueleto no armário?! 13-6-2019, Lx Luís Resina
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